A prateleira de suplementos cresceu mais do que o pão quente na manhã de domingo. O mercado global ronda os 170+ mil milhões de dólares e promete de tudo: mais energia, foco, músculos, pele perfeita, imunidade. A pergunta que interessa é simples: o que funciona de verdade e para quem? Nem tudo é fumo, mas também não é terra de milagres. Aqui vai um mapa honesto para separar marketing de benefício real, com o que sabemos em 2025 e o que ainda é conversa de vendedor.
- TL;DR: suplementos são úteis em situações específicas (deficiências, objetivos claros); para gente saudável, sem défice, o ganho costuma ser pequeno.
- Com boa evidência: vitamina D (em deficientes), B12 (veganos), ferro e ácido fólico (quando indicados), creatina (força/potência), cafeína (performance), ômega-3 (triglicéridos altos).
- Evidência moderada/condicional: whey/proteína (praticidade), probióticos por indicação, melatonina (jet lag), beta-alanina e bicarbonato (desporto), colagénio (efeito modesto).
- Mais marketing que ciência: "queimadores de gordura", detox, boosters de testosterona, megadoses de antioxidantes, multivitamínicos para longevidade.
- Regra de ouro: defina o objetivo, verifique dieta e análises, confirme evidência/dose/segurança, escolha marcas testadas e siga por 8-12 semanas antes de avaliar.
O que funciona (e para quem): evidência sem rodeios
Nem todos os suplementos alimentares são iguais. A ciência favorece alguns, tolera outros e desaconselha vários. Abaixo, o que tem melhor suporte em 2025, com doses típicas e para quem faz sentido.
Vitamina D: útil quando há défice (muito comum em quem passa o dia em interiores, pele escura, idosos). Estudos grandes mostram que suplementar vitamina D em pessoas deficientes melhora desfechos ósseos e reduz risco de quedas; em pessoas com níveis normais, os benefícios são pouco claros. Uma dose prática para adultos é 1000-2000 UI/dia de D3, mas o ideal é dosar 25(OH)D no sangue. Limite superior tolerável pela EFSA: 4000 UI/dia.
Vitamina B12: indispensável para veganos e muitos vegetarianos. Sem B12, a conta sai cara (anemia, alterações neurológicas). Esquemas comuns: 50-100 µg/dia ou 1000 µg 2-3x/semana (cianocobalamina). Em idosos, absorção menor pode justificar dose mais alta.
Ferro: só com diagnóstico de deficiência ou risco claro (ex.: mulheres com perdas menstruais significativas). Tome a forma e dose indicadas pelo médico (30-60 mg de ferro elementar/dia é comum), porque pode causar desconforto gastrointestinal e interage com outros fármacos.
Ácido fólico: mulheres a planear gravidez devem tomar 400 µg/dia no pré-conceção e primeiro trimestre para reduzir defeitos do tubo neural (recomendação alinhada com DGS/OMS). Em casos de risco elevado, a dose pode ser superior, sob orientação médica.
Iodo: na gravidez e amamentação, pode ser necessário 150 µg/dia, sobretudo se o consumo de sal iodado e lácteos for baixo. Confirme com o obstetra/endocrinologista.
Ômega-3 (EPA/DHA): útil para baixar triglicéridos (doses de 2-4 g/dia são terapêuticas e podem ser medicamento). Para saúde cardiovascular geral, 250-1000 mg/dia de EPA+DHA é uma meta sensata, mas o efeito em eventos duros é modesto. Veganos podem usar algas (DHA/EPA).
Proteína (whey/vegetal): não é mágica, é praticidade. Se não chega à meta diária (1,6-2,2 g/kg para treino de força; 1,2-1,6 g/kg para saúde e desporto recreativo), um batido ajuda. Comida sólida continua a ser a base.
Creatina monohidratada: uma das mais estudadas em performance. Ganha-se força e massa magra modestas, úteis e consistentes. Dose: 3-5 g/dia; opcional carga de 20 g/dia por 5-7 dias. Em saudáveis, não danifica rins segundo a Sociedade Internacional de Nutrição Desportiva (ISSN). Beba água e meça creatinina se já existir doença renal.
Cafeína: 3-6 mg/kg, 30-60 minutos antes do treino melhora desempenho e percepção de esforço. Teste tolerância; evite à noite e em ansiedade. Atletas devem controlar a ingestão para não sofrer efeitos colaterais.
Beta-alanina e bicarbonato de sódio: para esforços de alta intensidade (1-4 minutos). Beta-alanina 3,2-6,4 g/dia por 4-8 semanas (formigueiro é comum, divida a dose). Bicarbonato 0,2-0,3 g/kg 60-180 min antes (cuidado com a barriga; teste em treinos).
Probióticos: não são todos iguais. Para diarreia associada a antibiótico, Lactobacillus rhamnosus GG e Saccharomyces boulardii têm boa evidência. Para síndrome do intestino irritável, algumas estirpes ajudam, mas é tentativa e erro.
Melatonina: funciona para jet lag e atraso de fase (0,5-3 mg). Para insónia crónica, efeito é pequeno; higiene do sono costuma render mais.
Colagénio e glucosamina: colagénio (5-10 g/d) mostra melhorias modestas em pele e possível suporte articular em alguns estudos; não espere milagres. Glucosamina (1500 mg/d) e condroitina têm resultados mistos em artrose leve a moderada.
O que evitar ou olhar com ceticismo: queimadores de gordura (efeito mínimo e risco de taquicardia), detox (o seu fígado já é o detox), boosters de testosterona tipo tribulus (sem benefício relevante), megadoses de antioxidantes (beta-caroteno aumenta risco em fumadores; vitamina E não previne eventos e pode aumentar hemorragia), multivitamínicos para longevidade (USPSTF não recomenda para prevenção de cancro/doença cardiovascular em adultos sem défices), curcumina isolada (baixa biodisponibilidade, efeitos inconsistentes).
Fontes e posições que valem ouro para orientar: EFSA (reclamações de saúde autorizadas e limites), Direção-Geral da Saúde e DGAV/ASAE em Portugal (rótulos e notificação), NIH Office of Dietary Supplements (monografias), Cochrane (revisões sistemáticas), USPSTF (prevenção primária), ISSN e Comité Olímpico Internacional (consensos sobre nutrição desportiva). Em 2022, um estudo no NEJM não encontrou redução de fraturas com vitamina D em adultos não deficientes; em 2023-2024, a USPSTF manteve a posição cética sobre multivitamínicos para prevenção.
Suplemento | Benefício principal | Para quem | Dose típica | Nível de evidência |
---|---|---|---|---|
Vitamina D3 | Saúde óssea, défice | Deficientes, idosos, pouca luz solar | 1000-2000 UI/d (UL EFSA 4000 UI) | Alta em défice; baixa em não deficientes |
Vitamina B12 | Hematológica/neurológica | Veganos, idosos | 50-100 µg/d ou 1000 µg 2-3x/sem | Alta |
Ferro | Corrigir anemia/défice | Diagnosticados | 30-60 mg ferro elementar/d | Alta (com indicação) |
Ácido fólico | Prevenir DTN | Pré-conceção/grávidas | 400 µg/d (mais se risco) | Alta |
Ômega-3 (EPA/DHA) | Triglicéridos, coração | Triglicéridos altos; baixa ingestão | 250-1000 mg/d; 2-4 g/d terapêutico | Moderada (população), alta (TG) |
Proteína (whey/veg) | Atingir meta diária | Quem não chega por comida | 20-30 g/porção | Moderada (praticidade) |
Creatina mono | Força/potência | Treino de força/equipas | 3-5 g/d; carga opcional | Alta |
Cafeína | Desempenho/alerta | Desporto; vigília | 3-6 mg/kg pré-treino | Alta |
Beta-alanina | Alta intensidade | Crossfit, sprint | 3,2-6,4 g/d por 4-8 sem | Moderada |
Bicarbonato | Tamponamento | Eventos 1-4 min | 0,2-0,3 g/kg pré | Moderada |
Probióticos | Diarreia antibiótico/IBS | Indicação específica | 5-10 B CFU/d (estirpe certa) | Moderada (estirpe-dependente) |
Melatonina | Jet lag/ritmo | Viajantes, DSRP | 0,5-3 mg | Moderada |
Colagénio | Pele/articulações | Quem busca apoio leve | 5-10 g/d + vitamina C | Baixa a moderada |

Como decidir o que tomar: passo a passo prático e seguro
Quer tirar a conversa do “talvez ajude” e ir para “faz sentido para mim”? Use este roteiro simples.
- Defina o objetivo em uma frase: dormir melhor, melhorar força, corrigir défice, baixar triglicéridos, preparar gravidez. Objetivo vago puxa suplemento errado.
- Faça um check da alimentação: proteína, frutas/legumes, lácteos/iodo, peixes gordos, sol. Às vezes, ajustar o prato resolve 80% sem cápsulas.
- Peça análises quando suspeitar de défices ou tiver condição clínica: 25(OH)D, B12, ferritina, TSH (se usar iodo), perfil lipídico, função renal/hepática quando relevante.
- Confirme a evidência: procure consensos (EFSA, DGS, NIH ODS, Cochrane, ISSN). Se a base são influencers e estudos em ratos, segure a carteira.
- Encontre a forma e a dose certas: creatina monohidratada (não HCl), ômega-3 com EPA/DHA em mg claros no rótulo, magnésio citrato/glicinato (melhor tolerância), melatonina de libertação imediata.
- Verifique interações e contraindicações:
- Anticoagulantes (varfarina): cuidado com vitamina K, alho, ginkgo, ginseng.
- Tiroide: magnésio, ferro e cálcio reduzem absorção de levotiroxina (separe por 4 horas).
- Antibióticos: magnésio, zinco e cálcio quelam; separe por 2-4 horas.
- Gravidez: evite megadoses de vitamina A retinol; confirme folato/iodo com o obstetra.
- Doença renal/hepática: ajuste e supervisão médica.
- Escolha produto com qualidade:
- Procure selos: Informed-Sport/NSF Certified for Sport (atletas), ou testes de laboratório independentes.
- Rótulo em PT-PT conforme UE: lista de ingredientes, doses por porção, %VRN, avisos (“não exceder a dose diária”, “não substitui uma dieta variada”).
- Evite blends proprietários sem transparência de doses.
- Teste por 8-12 semanas e meça resultado: cargas no ginásio, sono (diário), marcadores em análises, sintomas. Se não entregou, corte.
Como ler rótulos no contexto português/europeu: na UE, as alegações de saúde são reguladas (Diretiva 2002/46/CE; Regulamento 1924/2006). Se um frasco promete “cura” ou “tratamento”, está fora da lei. Em Portugal, os suplementos são notificados às autoridades e sujeitos à fiscalização da ASAE; INFARMED supervisiona medicamentos, não confunda. Procure lote, validade, fabricante, país de origem e a lista de substâncias por dose, não só “por 100 g”.
Qualidade e contaminação: em atletas, a dor de cabeça é real. Substâncias banidas já apareceram em pré-treinos e “fat burners”. Selos como Informed-Sport reduzem risco. Para o resto de nós, prefira marcas com histórico, certificações e transparência de testes. Comprar promoções sem origem clara pode sair caro.
Regras de bolso úteis:
- Se a promessa parece milagre, é marketing.
- Se o benefício depende de défice, confirme o défice.
- Dose faz o veneno: vitaminas A, D, E, K acumulam; magnésio demais solta o intestino; niacina dá rubor.
- Comece baixo, ajuste devagar, avalie com dados.

Checklists, cenários, mini‑FAQ e próximos passos
Check de marketing vs. ciência (passe o olho antes de comprar):
- Promete “queimar gordura sem esforço”, “detox instantâneo”, “substitui treino”? Sinal vermelho.
- Usa “100% natural” como escudo de segurança? Cianeto é natural também. Natural não é sinónimo de seguro.
- Sem doses por ingrediente, só “fórmula proprietária”? Passe.
- Estudos em ratos, amostras minúsculas ou só testemunhos? Evidência fraca.
- Rótulo sem português de Portugal, sem %VRN, sem avisos legais? Risco regulatório.
Stacks mínimos por objetivo (versões enxutas e realistas):
- Saúde geral adulta (sem défices): alimentação decente + sol moderado + atividade física. Opcional: vitamina D no inverno se pouco sol; ômega-3 se não comer peixe 1-2x/semana.
- Força e hipertrofia: creatina 3-5 g/d + proteína suficiente (comida + whey se necessário) + cafeína pré-treino conforme tolerância. Beta-alanina se competir em esforços curtos.
- Gestão de stress/sono: higiene do sono primeiro; magnésio glicinato 200-400 mg à noite se ingestão baixa; melatonina 0,5-3 mg para jet lag ou atraso de fase.
- Vegano/vegetariano: B12 (esquema acima) + DHA de algas se ingestão de ALA for baixa + vitamina D no inverno + atenção a ferro/zinco (alimentação/monitorização).
- Pré‑concepção/gravidez: ácido fólico 400 µg/d; iodo 150 µg/d se indicado; ferro conforme análises. Sem megadoses de vitamina A.
- 50+: vitamina D conforme níveis, proteína adequada (1,2-1,6 g/kg), creatina pode ajudar a preservar massa e função; atenção a interações com medicação.
Quando tomar (timing rápido):
- Creatina: qualquer hora, diariamente; com refeição ajuda a aderência.
- Cafeína: 30-60 min pré‑treino; evite após as 16-17h se for sensível.
- Ômega‑3: com refeição gordurosa para melhor absorção.
- Vitamina D: com refeição; consistência importa mais que horário.
- Magnésio: à noite, especialmente formas calmantes (glicinato).
Mini‑FAQ (as perguntas que mais ouço no ginásio e no café de esquina em Lisboa):
Multivitamínico diário faz viver mais?
Não há evidência sólida de prevenção de cancro/doença cardiovascular em adultos sem défices, segundo a USPSTF. Se a sua dieta é pobre, melhorar o prato provavelmente rende mais.
Creatina faz mal aos rins?
Em pessoas saudáveis, tomadas nas doses recomendadas, as revisões do ISSN não mostram dano renal. Em doença renal, não use sem orientação. Creatinina pode subir ligeiramente por maior produção, o que confunde análises; o médico sabe interpretar.
Posso trocar comida por batido de proteína?
Não. Suplemento suplementa. Comida traz fibra, micronutrientes e saciedade. Use whey quando a logística falha.
Qual ômega‑3 comprar?
Veja o EPA e DHA por cápsula (não só “óleo de peixe”). Some EPA+DHA para saber a dose real. Para triglicéridos, doses terapêuticas são mais altas e podem requerer prescrição.
Probiótico qualquer serve?
Não. É estirpe‑dependente. Para diarreia por antibiótico, LGG ou S. boulardii são opções com boa base. Para IBS, o efeito é individual.
Magnésio ajuda cãibras?
Se houver défice, pode ajudar. Sem défice, a evidência é fraca. Magnésio glicinato/citrato tende a ser melhor tolerado; ajuste dose para evitar diarreia.
Melatonina todos os dias é seguro?
Doses baixas e por períodos definidos são geralmente seguras. Use para sincronizar ritmo ou jet lag. Para insónia crónica, trate hábitos e causas.
Colagénio funciona para pele?
Alguns ensaios mostram melhorias modestas em elasticidade e hidratação. É discreto, não é filtro do Instagram. 5-10 g/d + vitamina C pode ser uma tentativa de 8-12 semanas.
Suplementos podem acusar no doping?
Sim, já houve contaminação. Atletas: Informed‑Sport/NSF, peça certificados e evite produtos com claims agressivos.
Riscos e como mitigar:
- Interações: verifique medicação (anticoagulantes, antiepiléticos, tiroide, antibióticos).
- Hipervitaminose: cuidado com ADEK e megadoses prolongadas.
- Fígado: “fat burners” com estimulantes/planta concentrada já deram problemas. Desconfie de stacks com 10+ ingredientes.
- Carteira: não compre 6 frascos quando um já entrega o que precisa.
Quando parar: se ao fim de 8-12 semanas não há melhoria mensurável no objetivo, interrompa e reavalie. Se surgirem efeitos adversos, pare e procure orientação.
Próximos passos por perfil:
- Atleta federado: marque com nutricionista do clube; use apenas marcas testadas (Informed‑Sport); mantenha registo de lotes.
- Mulher a planear gravidez: fale com obstetra sobre folato/iodo/ferro; ajuste vitamina D conforme análises.
- Vegano recém‑convertido: inicie B12 já; planeie fontes de ferro/zinco; considere DHA de algas.
- Sedentarismo + fadiga: antes de comprar adaptógenos, faça análises (ferro, B12, vitamina D), melhore sono e passos diários.
Se algo não se encaixa no seu caso, volte ao princípio: objetivo claro, checagem da dieta, exames quando necessário, evidência, dose, segurança e teste controlado. O resto é ruído de marketing.
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