Se você já comprou um pacote de alface e se perguntou de onde ele veio, ou se um remédio que tomou foi recallado por contaminação, você já viveu o problema que os padrões GS1 e blockchain estão tentando resolver. A cadeia de suprimentos global é uma rede imensa, com centenas de empresas trocando produtos e dados - mas muitas vezes, esses dados não falam a mesma língua. Um fornecedor usa um código de barras, outro usa um sistema interno, e a loja final não consegue ligar os pontos. O resultado? Recalls lentos, desperdício, fraudes e consumidores sem confiança. A solução não é mais um novo software ou um app. É padronização.
O que são os padrões GS1 e por que eles importam?
GS1 é uma organização sem fins lucrativos fundada em 1977, com sede na Bélgica, que criou os códigos que você vê em todos os produtos do mundo: o GTIN (número global de item comercial), o GLN (número global de localização) e o EPCIS (serviço de informações de código de produto eletrônico). O GTIN é aquele número de 14 dígitos que aparece abaixo do código de barras. Ele identifica exatamente qual produto é - não só o tipo, mas a embalagem, o lote, a data de validade. O GLN identifica onde algo aconteceu: um armazém, uma loja, um caminhão. E o EPCIS é o que transforma esses códigos em histórias: "O produto X saiu do armazém Y em 3 de abril, chegou ao centro de distribuição Z em 5 de abril, foi entregue à loja A em 7 de abril".
Esses padrões são usados por mais de 2 milhões de empresas em mais de 30 países. Eles são o inglês comum da cadeia de suprimentos. Sem eles, cada empresa fala uma língua diferente. Com eles, qualquer empresa, de qualquer país, consegue entender o que a outra está dizendo. Isso não é opcional. 92 dos 100 maiores varejistas globais exigem que seus fornecedores usem GS1. E a FDA nos EUA, a União Europeia e a China já tornaram isso obrigatório para alimentos e medicamentos.
Blockchain: o que ele traz que os sistemas tradicionais não têm?
Antes do blockchain, as empresas usavam sistemas centrais - ERP, bancos de dados internos, planilhas. O problema? Cada um tinha sua própria versão da verdade. Um fornecedor registrava que enviou 100 caixas. A loja registrava que recebeu 98. Quem está certo? Ninguém sabe. E quando algo dá errado - como um lote de leite contaminado - leva dias para rastrear onde tudo começou. Isso custa vidas e dinheiro.
Blockchain muda isso. É um livro-razão digital, distribuído e imutável. Quando um evento é registrado - "caixa 12345 foi carregada no caminhão" - ele não pode ser apagado ou alterado. Todos na cadeia veem a mesma informação ao mesmo tempo. Mas aqui está o ponto crítico: se você registrar "caixa 12345" sem saber o que isso significa, o blockchain só armazena um monte de números sem sentido. É como ter uma câmera de segurança que grava tudo, mas não sabe o que está filmando.
GS1 + Blockchain: a combinação que funciona
É aí que entra a integração. O GS1 fornece o significado. O blockchain fornece a confiança. Quando um produto é escaneado com um código GTIN, o sistema captura o evento e o envia para a blockchain como um registro EPCIS padronizado. Não é "caixa 12345" - é "GTIN 01234567890128, lote L123, local GLN 7890123456789, evento: envio, data: 2025-04-03T14:22:18Z". Agora, qualquer pessoa com acesso pode entender exatamente o que aconteceu, onde e quando.
Empresas como Wholechain e IBM Food Trust já implementam isso. Elas não criam seus próprios códigos. Usam o GTIN e o GLN da GS1. Isso significa que uma fazenda no Brasil, um transportador nos EUA e um supermercado na Alemanha podem compartilhar dados na mesma blockchain - sem precisar de tradutores ou interfaces personalizadas. O resultado? Recalls que levavam 7 dias agora levam 2 horas. A precisão dos dados sobe de 60% para mais de 99%.
Um caso real: em 2021, a Dole fez um teste com alface. Usando EPCIS em blockchain, rastreou cada caixa desde o campo até a prateleira. Quando um cliente reclamou de um pedaço de plástico, eles identificaram exatamente qual lote, qual campo, qual caminhão e qual loja em menos de 90 minutos. Sem GS1, isso seria impossível.
Desafios reais de implementação
Isso não é fácil. A maior barreira não é a tecnologia - é a mudança. Pequenos fornecedores, como produtores de frutas e legumes na Califórnia, relatam que precisaram gastar US$ 15.000 em scanners e passar três meses treinando a equipe só para começar. Empresas com sistemas antigos, como ERP de 20 anos, não têm campos para GTIN ou GLN. Corrigir isso exige integração complexa.
Um estudo da FDA em 2022 mostrou que 63% das empresas consideraram a padronização dos dados o maior obstáculo. Outros 78% enfrentaram problemas com sistemas legados. E não é só técnica: é cultural. Empresas têm medo de compartilhar dados. E se um concorrente descobrir quantas caixas eu envio? Mas a verdade é que, com GS1, você não compartilha dados sensíveis - só eventos padronizados. Ninguém vê seu lucro, só o caminho do produto.
Regulações estão forçando a mudança
Não é mais uma escolha. A FDA nos EUA exige, a partir de novembro de 2026, que todos os alimentos de risco elevado - como espinafre, tomate, alface, amendoim - sejam rastreáveis em até 24 horas. Isso é chamado de "um passo para frente, um passo para trás". Se um produto é contaminado, você precisa saber de onde veio e para onde foi. Sem GS1, isso é impossível.
A União Europeia vai exigir, em 2025, um "Passaporte Digital do Produto" - um registro digital com dados de sustentabilidade, origem, impacto ambiental. E a China já tem leis semelhantes. Empresas que não adotarem GS1 e blockchain não conseguirão vender para esses mercados. Não é uma tendência. É uma exigência legal.
Como começar?
Se você é um fornecedor, não precisa mudar tudo de uma vez. Comece com um único produto de alto valor - como um lote de café orgânico ou um medicamento de marca. Registre o GTIN dele na GS1. Instale um scanner de código de barras. Conecte o sistema de rastreamento à sua ERP. Depois, integre o EPCIS a uma blockchain que já suporte padrões GS1, como Hyperledger Fabric ou VeChain. O custo inicial pode variar de US$ 50.000 para pequenas empresas a mais de US$ 500.000 para multinacionais. Mas o retorno é claro: menos desperdício, menos recalls, menos multas, mais confiança do consumidor.
Empresas que já fizeram isso relatam redução de 70% a 90% no tempo de reconciliação de dados. Isso significa menos horas perdidas com planilhas e mais tempo para inovar.
O que vem a seguir?
Em 2024, a GS1 vai lançar os "Perfis de Interoperabilidade de Blockchain" - guias práticos para setores específicos: alimentos, farmacêuticos, varejo. Eles vão dizer exatamente quais eventos devem ser registrados, em que formato, e quais regras de negócio aplicam. Isso vai tirar a ambiguidade e acelerar a adoção.
Estudos preveem que, até 2025, 65% das grandes empresas terão implementado soluções baseadas em GS1 e blockchain para cadeias críticas. Hoje, só 28% têm. O gap está se fechando rápido. Quem não agir, vai ficar para trás - e provavelmente fora do mercado.
Conclusão: padrões são o novo combustível da cadeia de suprimentos
Blockchain não é mágica. Sem padrões, é só um banco de dados caro e lento. GS1 não é revolucionário por si só - mas quando combinado com blockchain, ele transforma dados em confiança. É a única combinação que já provou funcionar em escala global. Não importa se você é um produtor de soja no Paraná, um distribuidor de medicamentos em São Paulo ou um supermercado em Porto Alegre: se você quer que sua cadeia de suprimentos funcione no futuro, você precisa falar a língua certa. E essa língua é GS1.
O que é GTIN e por que ele é tão importante?
GTIN (Global Trade Item Number) é um número único de 14 dígitos que identifica exatamente um produto - incluindo sua embalagem, tamanho e variação. Ele é a base de todos os códigos de barras do mundo. Sem GTIN, não é possível rastrear um item com precisão em uma blockchain. É como ter um carro sem placa: todos sabem que é um carro, mas ninguém sabe qual é.
Blockchain e GS1 são a mesma coisa?
Não. Blockchain é uma tecnologia de registro distribuído e imutável. GS1 é um conjunto de padrões de identificação e dados. O blockchain armazena os eventos; o GS1 diz o que esses eventos significam. Um é o carro, o outro é o mapa e os sinais de trânsito. Juntos, eles funcionam. Separados, não.
Pequenos fornecedores conseguem adotar isso?
Sim, mas precisa de apoio. Muitos pequenos produtores já usam GTIN por exigência de varejistas. O que falta é o acesso a sistemas de rastreamento acessíveis. Algumas cooperativas e associações estão criando plataformas compartilhadas para que pequenos fornecedores possam usar GS1 e blockchain sem gastar milhares de dólares. O custo não está na tecnologia, mas na mudança de processo.
E se eu já uso um sistema de rastreamento interno?
Se seu sistema não usa GTIN, GLN ou EPCIS, ele não vai se conectar com os outros. Você pode ter dados bonitos, mas eles não são interoperáveis. O mercado global exige padrões abertos. Seu sistema interno pode ser mantido como base, mas precisa ser integrado ao fluxo GS1 para funcionar fora da sua empresa.
Quais setores já estão adotando isso em larga escala?
Farmacêuticos lideram: 78% já usam GS1 + blockchain para rastrear medicamentos, exigido pela lei DSCSA nos EUA. Alimentos de risco elevado - como vegetais, frutas, nozes - estão em alta, por causa da FSMA 204. Varejo e logística também estão acelerando, especialmente em produtos de alto valor, como vinho, eletrônicos e cosméticos.
O que acontece se eu não adotar GS1 e blockchain?
Você vai ficar fora da cadeia. Grandes varejistas e governos já exigem isso. Se você não conseguir entregar dados padronizados, suas encomendas serão recusadas. Em 2026, a FDA vai parar a venda de alimentos que não forem rastreáveis. Não é uma ameaça futura - é uma regra que já está em vigor.
2 Comentários
Pô, isso tudo é só pra quem tem grana pra investir em scanners e treinamento...
Mas e o pequeno produtor que vive de vender abóbora na feira? Vai ter que vender o trator pra comprar um leitor de GTIN?
Mais um post de tecnocrata que acha que o mundo gira em torno de códigos de barras.
Enquanto isso, no Brasil, 40% dos alimentos ainda chegam em caixas de papelão sem rótulo nenhum. Mas claro, vamos padronizar o que não existe.